O Nascimento do Rei

No tempo pré-determinado  por Donn, sob os auspícios de Mikhail, este um Tseri, um corpo de fogo prorrompeu o espaço astral em direção a Erde Bethakhes. Não colidiu com o corpo desta Erde, mas deixou-lhe a virtude que formaria a alma dela, a centelha inteligente de Jam Katem, o Filho da Promessa e futuro Rei de toda aquela terra. Os elementos que dariam a Jam Katem a condição da Realeza se manifestariam infalivelmente pela Vida que ele suscitaria àquela terra ainda informe e pela Justiça exercida por suas escolhas.  

Após cerca de 360 ciclos de águas (10), o próprio Rei (Donn o abençoe!) escreveria um curto poema para ecoar as memórias da viagem de sua essência até a futura Erde Bethakhes:

Prefiro ser essa estrela solitária
Rompendo o Infinito das noites
Do Tempo e de minha alma.

Estrela refratária,
Rebelde, livre, solidária;
Sem ser prenhe do bem ou semeadora do mal,
Sou variável, imprevisível, marginal.

Enquanto o ventre efervescente de Erde Bethakhes gestava o corpo do Rei, a essência, que havia se soltado do corpo celeste errante, prosseguia em seu trabalho silencioso de manifestar a Consciência do mesmo Rei. À medida que os campos verdejantes iam surgindo conforme o milagre da Vida, luzeiros surgiam por entre sua relva e pululavam como a simbolizar os olhos do Rei que se abriam, aos poucos, para a mesma Vida. Rios de água viva surgiam por entre as rochas e corriam para os reservatórios gigantescos de terra vazia que se haviam preparado. De onde surgiam aquelas águas? Caíam dos Céus como orvalho à medida que o fogo dos astros dava lugar ao frio da inércia. A Terra vomitava suas rochas derretidas, mostrando toda a força de Vida gestada pela semente do Rei. Continentes se levantavam e se solidificavam mediante o furor dos movimentos e choques dos braços de matéria.

A Vida, mistério cognoscível somente aos Prepostos de Donn, organizava tudo e proliferava formas viventes no interior de Erde Bethakhes, esta mesma que serviria de imensa Posse do Rei nascente. O Rei era, agora, a Vida de Donn, mais uma de suas criaturas, destinado a governar sem ser governado, manifestar a Glória e o Poder de Donn sem jamais se submeter às Forças Cegas.

Tais Forças teriam reduto no Reino de Jam Katem simplesmente para prová-lo nas Trevas enquanto almejasse sempre a Luz. Ao continente das Trevas que, com ou sem influxo da Estrela, agrupariam as larvas trevosas da ignorância ainda presente na semente do Rei, foi-lhe dado o nome de Vústia, que significa “Terra dos Espectros”. Por outro lado, ao Domínio da Luz, onde sobressaem as formas luminosas da origem remota do Rei, a saber, o Reino de Donn, foi-lhe chamado Lékhtia, que significa “Terra da Luz”. Entre dois continentes se dividem as formas e criaturas de Erde Bethakhes, devendo o Rei exercer a Justiça sobre eles, não obstante a origem exterior de ambas as influências (Luz e Trevas). Ali, em sua Terra, as formas trevosas e luminosas eram apenas visitantes, embora tendessem sempre a proteger ou usurpar o Trono do Rei. E isso era uma certeza com a qual Jam Katem, ao longo de seu Reinado, deveria se acostumar: que toda Justiça deve se cumprir tão-somente através de suas decisões. Ut impleatur IustitiamIntegra, Rex nobis datur! (12)

As cordas zodiacais lhe faziam tensão sob sua espinha. A Estrela não lhe iluminou a primeira respiração. De longe, muito longe nos quadrantes do Céu, vieram sua Mãe e ele, o Prometido. Do ventre de sua mãe em prantos, a Rainha gestada em dia triste, surgiu à Luz o Rei de toda a Terra, Da Genk Ay’ Erdes (11). Como profetizado e predito pela Criação, depois de confortado no seio da Rainha-Mãe, o Rei deve nascer em um outro ventre, um maior, mais extenso, povoado pela manifestação da Bondade de Donn e materializado pela alma do Rei nascente, exatamente como já fora dito.

***

Notas:

(10) Ciclos de águas: em aggiliano, diz-se “Men-ien” (sing. “Men-ieh”, lit. “tempo de águas”, ou “ciclo de águas”). Um “ciclo de águas” é o que poderíamos chamar de mês, no qual a Lua perfaz um ciclo (translação em torno da Terra), já que a mesma é associada ao ciclo das marés.

(11) Ut impleatur Iustitia Integra, Rex nobis datur!: do latim “Para que se cumpra toda a Justiça, um Rei nos foi dado!“.

(12) Da Genk Ay’ Erdes ou Da Genk Ayes Erde: lit. “o Rei de toda a Terra”. [ips. sent.]

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